À Deputada Federal Dandara Tonantzin, Relatora do PL nº 1.735/2019,
Aos Parlamentares da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados,
À Comunidade Acadêmica, Estudantil e Profissional da Pedagogia,
À Sociedade Brasileira,
As entidades e coletivos signatários desta carta manifestam seu firme e unânime apoio à regulamentação da profissão de pedagoga/o e ao texto substitutivo do PL 1.735/2019, fruto de amplo e qualificado debate setorial. Reconhecemos na proposta em tramitação um marco essencial para a valorização, a proteção e o reconhecimento social desta profissão e de seus profissionais, cujo trabalho é fundamental para a garantia do direito à educação e para o desenvolvimento de políticas sociais no país. Nesse sentido, a regulamentação profissional constitui-se como um instrumento democrático de resistência à precarização do trabalho e de fortalecimento da educação pública de qualidade, justificando-se pela própria trajetória, importância e amplitude histórica da profissão.
O Curso de Pedagogia é reconhecido como um dos cursos profissionais de formação em nível superior mais antigos do Brasil, tendo sido criado em 1939. Atualmente, é também um dos cursos de nível superior com o maior número de estudantes do país, somando 4,48 milhões de ingressantes e 1,83 milhão de concluintes, segundo dados do INEP (Censo da Educação Superior de 2024), posição que vem se mantendo desde 2022.
Em razão disso, pedagogas e pedagogos são as/os profissionais com maior presença nas políticas educacionais, atuando não apenas como docentes na educação infantil, nos anos iniciais do ensino fundamental e em cursos de formação de professores em nível médio e superior, mas também como coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, supervisores, inspetores e gestores escolares.
Para além disso, a relevância desses profissionais há muito extrapola a atuação no âmbito escolar e na política educacional. As/os profissionais da Pedagogia vêm contribuindo ativamente em outras políticas sociais fundamentais para a garantia de direitos humanos e sociais. Destaca-se sua atuação no Sistema Único de Assistência Social (SUAS); no Sistema de Justiça, em instituições socioeducativas, que lidam com a educação e proteção de adolescentes em conflito com a lei; nas políticas de Saúde (incluindo a Formação Permanente em Saúde, a Pedagogia Hospitalar e o trabalho em brinquedotecas hospitalares); na Educação Museal, Educação Patrimonial e em Políticas de Incentivo à Cultura; na Assistência Estudantil, no Apoio Pedagógico, na Educação Inclusiva e em outras políticas das Instituições de Ensino Superior (IES), entre diversas outras frentes.
Pedagogas e pedagogos são, portanto, profissionais que atuam na interface entre educação, garantia de direitos humanos e desenvolvimento social. Sua atuação abarca atividades cruciais, cujo mau exercício por pessoas sem o devido conhecimento técnico-científico pode causar sérios danos à formação intelectual, ao desenvolvimento humano e à garantia de direitos sociais e humanos fundamentais – condições que, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal Federal (STF), justificam a regulamentação de profissões.
Contudo, apesar de sua inegável importância nos contextos educacional, político e social, a profissão de pedagogo(a) ainda carece de regulamentação específica. Esse hiato jurídico torna frágeis as prerrogativas e os direitos relacionados à formação, ao exercício e à proteção social desses profissionais. A ausência de um marco regulatório unívoco e específico tem deixado as/os profissionais e os serviços que prestam vulneráveis a abusos de diversas ordens, dentre as quais merecem destaque:
1. A contratação, pelo poder público e pela iniciativa privada, de pessoas sem formação específica para o exercício de funções docentes, especialmente na Educação Infantil e na Educação Especial. Isso ocorre por meio do artifício de substituir professores com formação em Pedagogia por cargos de auxiliares, agentes de creche, da Educação Infantil ou da Educação Especial, sem exigência de formação específica, o que acarreta prejuízos à integração das funções de cuidar e educar, à inclusão de crianças com deficiência e à qualificação da educação e do trabalho docente.
2. A transferência indevida de atribuições pedagógicas para outros agentes não qualificados, fenômeno observado em contextos como as políticas de militarização das escolas e as propostas de homeschooling (ensino domiciliar).
3. Práticas de assédio moral institucional, como desvio de função, esvaziamento de atribuições e desqualificação dos saberes e fazeres profissionais, especialmente em espaços de trabalho compartilhados com profissionais que já possuem suas profissões regulamentadas.
4. Ataques frontais à autonomia pedagógica e docente, materializados em políticas de controle curricular, avaliações externas padronizadoras e apostilamento do ensino. Somam-se a isso ofensas à liberdade de ensinar, fomentadas por movimentos e propostas ultraconservadores, como o movimento “Escola Sem Partido”.
Diante desse cenário, o amplo e qualificado debate travado nos últimos anos, entre consensos e dissensos legítimos, culminou em um texto substitutivo robusto ao PL 1.735/2019, incorporado ao parecer da relatora professora Maria Goreth (PDT-AP). Desse texto, destacam-se os seguintes avanços:
1. Valorização salarial: Assegura a aplicação do piso salarial e demais direitos dos profissionais do magistério às/aos pedagogas/os que atuam na Educação Básica e estende um parâmetro remuneratório mínimo equivalente a esse piso aos que atuam em espaços não escolares.
2. Ampliação e precisão das atribuições profissionais: Reconhece com clareza as funções relacionadas à docência, gestão, coordenação, supervisão, inspeção, orientação educacional e outras funções de apoio e assessoramento no espaço escolar. Além disso, define um leque de atribuições para a atuação da/o pedagoga/o em espaços não escolares e políticas sociais, como a assistência social, a justiça, a saúde e a cultura.
3. Defesa da autonomia profissional: O novo marco prevê autonomia plena para o exercício das atribuições, incluindo a liberdade de cátedra e a autonomia para a escolha de métodos de ensino, pesquisa, planejamento,
instrumentos de avaliação e materiais didáticos, constituindo uma importante estratégia de resistência aos processos de desprofissionalização.
4. Supressão da proposta de criação de conselhos profissionais: Afasta definitivamente um dispositivo que gerava resistência e dissenso, concentrando a lei no essencial: a regulamentação das atividades profissionais e a garantia de direitos no seu exercício.
Além dos ganhos materiais em direitos e prerrogativas, o ato de regulamentar a profissão possui um significado que transcende os benefícios imediatos, conferindo à profissão importante valorização simbólica e maior reconhecimento social e político. O marco regulatório converte-se em uma referência normativa e simbólica que assegura legitimidade, visibilidade e reconhecimento equitativo às múltiplas funções, práticas e campos de atuação da/o pedagoga/o.
Com isso, promove a integração de fragmentos profissionais historicamente dispersos, sendo essencial para projetar uma identidade profissional menos fragmentada e distorcida. Desse modo, ao estabelecer direitos equivalentes para os profissionais que atuam em diferentes funções e espaços, o texto regulatório contribui para o fortalecimento de um novo paradigma ético-profissional, conferindo maior unidade interna à categoria e superando divisões e hierarquias que, ao longo do tempo, prejudicaram a imagem pública da profissão.
Cabe destacar que a luta pela regulamentação da profissão de pedagoga/o ocorre em um cenário global e nacional marcado pela hegemonia do pensamento neoliberal, cuja lógica propaga o discurso da desregulamentação financeira, econômica e trabalhista — o que inclui a desregulamentação das profissões. Nesse contexto macroestrutural, processos de reestruturação produtiva, como o toyotismo e a gestão por competências, têm resultado na intensificação, precarização e flexibilização do trabalho, promovendo a diluição das fronteiras profissionais e o desprestígio social dos diplomas e dos conhecimentos técnico-científicos que eles atestam.
A regulamentação, portanto, constitui-se como um mecanismo político-jurídico fundamental de resistência à precarização, à invisibilização, à desqualificação e à desvalorização profissional. Trata-se de um pleito legítimo que avança na contramarcha da agenda neoliberal de desregulamentação e flexibilização, buscando preservar a identidade da profissão e valorizar os saberes, conhecimentos e credenciais obtidos no Curso de Pedagogia.
Nesse sentido, reafirmamos nossa convicção sobre a importância e a legitimidade desta reivindicação, uma vez que entendemos que regulamentar a profissão de pedagoga/o significa reconhecer sua especificidade e instituir um arcabouço normativo que lhe garanta condições de afirmar-se frente a um processo histórico de descaracterização. Este processo tem resultado na invisibilidade, na subalternização e na deslegitimação do trabalho crucial desenvolvido por pedagoga/os, tanto em contextos escolares quanto não escolares.
Ademais, a regulamentação contribui decisivamente para o fortalecimento e a proteção das bases formativas da profissão, configurando-se, assim, como um mecanismo robusto de valorização e de ampliação do reconhecimento social do curso de Pedagogia. Trata-se de uma medida estratégica contra os recorrentes processos de mercantilização, precarização e desqualificação da formação, que fragilizam a identidade profissional e comprometem a qualidade das práticas pedagógicas no país.
Assumimos coletivamente que a profissão de pedagoga/o é fundamental para a edificação de uma educação crítica e emancipatória e, por consequência, para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e equitativa. Não temos reservas em afirmar que a Pedagogia e as/os profissionais da Pedagogia são indispensáveis em um mundo rico em possibilidades educativas, mas também profundamente marcado por contradições sociais que ameaçam o direito fundamental à educação.
Diante disso, solicitamos respeitosamente o apoio sensível e comprometido da atual relatora do PL 1.735/2019, a deputada e também pedagoga Dandara Tonantzin, assim como de deputados e deputadas de distintos partidos, da comunidade acadêmica, das/os estudantes de Pedagogia, das/os profissionais em exercício e de todos os movimentos sociais e segmentos da sociedade que acreditam na importância da educação para a consolidação dos direitos e da democracia.
Convém destacar que, conforme consulta pública disponível no portal da Câmara dos Deputados, 92% dos participantes manifestaram-se favoráveis à regulamentação da profissão de pedagoga/o. Este apoio quase unânime não apenas reflete o reconhecimento social da importância estratégica do trabalho pedagógico, mas também consolida a urgência e a legitimidade democrática da aprovação desta lei.
Por isso, pedimos que o PL 1.735/2019 seja tratado com prioridade legislativa, inclusive em caráter de urgência; que sejam abertos canais de diálogo com as entidades e coletivos signatários desta carta; e que seja garantido espaço para participação efetiva em eventuais audiências públicas. Pedimos, por fim, que quaisquer aprimoramentos e ações relacionados ao projeto de lei sejam construídos mediante diálogo transparente com as referidas entidades e coletivos.
Concluímos, assim, reafirmando nosso compromisso com uma regulamentação que proteja e valorize a profissão de pedagoga/o, reafirme direitos e garantias profissionais, assegure condições dignas de trabalho e segurança jurídica para o exercício profissional, defenda a autonomia e a liberdade de ensinar e contribua para a garantia do direito à educação de qualidade. Acreditamos que uma regulamentação bem formulada atua simultaneamente como instrumento de proteção profissional e como um passo simbólico e político decisivo em direção à valorização da educação pública e da formação humana em seu sentido mais amplo.
Sem mais, subscrevemos.
Associação de Pedagogas e Pedagogos do Norte e Nordeste (ASPENN)
Associação Nacional de Didática e Práticas de Ensino (ANDIPE)
Associação Internacional de Pesquisa na Graduação em Pedagogia (AINPGP)
Coletivo Pedagogia no Sistema Único de Assistência Social (PEDSUAS)
Coletivo de Pedagogas/os Jurídicas/os do Brasil
Fórum de Pedagogia do Estado do Rio de Janeiro (FOPERJ)
Rede Nacional de Pesquisa em Pedagogia (RePPed) 11 de dezembro de 2025
